O Espaço Obeya e o Quadro Kamishibai
Compreenda definitivamente o que são e a sua relação

Nomes complicados designam métodos simples para a gestão diária das operações lean.

Gerir o dia-a-dia de uma empresa não é tarefa fácil, principalmente em ambientes dinâmicos e que têm de responder a frequentes alterações do mercado. Quando a informação está dispersa e se torna decisiva a rápida tomada de decisões, dispor de um local para avaliar a situação e decidir o que fazer pode marcar a diferença entre o sucesso e o fracasso.

Esse local responde pelo nome de obeya e é nele que se acompanha os desafios do dia-a-dia nas empresas.

Garantir a manutenção de padrões nos locais de trabalho é fomentar a melhoria contínua do desempenho, é criar hábitos de excelência em todos os colaboradores e promover a partilha de conhecimento por todos. Isto consegue-se com a ajuda preciosa dos quadros kamishibai, uma das peças encontradas nos espaços obeya.

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O ESPAÇO OBEYA

Obeya é mais um termo de origem Japonesa. Este em particular significa “o grande espaço” (tradução do inglês: “big room” ou “war room”). Obeya é um espaço visual, é uma sala (ou quarto, ie room) no genba onde as pessoas se reúnem para acompanhar o desenrolar das operações, resolvem problemas e monitorizam o desempenho.

A ideia por detrás do espaço obeya é simples: dedicar tempo e espaço para a coordenação e a resolução de problemas para que as barreiras nas organizações sejam minimizadas.

Não conte encontrar neste espaço sumptuosos sofás onde as pessoas se sentam e falam sem limites de tempo, este é antes de mais um ponto de encontro (por norma sem mesas e cadeias) para rápidas e frequentes reuniões onde as pessoas-chave do genba se encontram para acompanhamento dos planos, resolução de problemas (ex. de qualidade ou de manutenção), alterações de planos e outros assuntos.

A figura acima no lado direito apresenta um layout de um espaço obeya.
Figura 1. Configuração típica de um espaço obeya.

Como se pode ver pela figura anterior, neste espaço estão os principais elementos para a tomada de decisão, para a rápida tomada de conhecimento do ponto em que as operações e os projetos no gemba se encontram. Outro importante argumento a favor destes espaços é a possibilidade de retenção do conhecimento e das experiências, quer seja pela criação de novos padrões ou pela atualização dos existentes.

A existência dos espaços obeya ajudam a resolver muitos dos problemas encontrados nas áreas operacionais (e note-se que este conceito não tem apenas aplicação nos setores produtivos, podendo ser aplicado nas áreas de serviços ou em estaleiros).

Problemas esses dos quais se destacam:
•    Não incorporação da “voz do cliente”, ie VOC;
•    Falta de adesão das pessoas aos padrões (por desconhecimento, por não serem aplicados ou havendo desleixo nas chefias na sua adoção);
•    Visão fragmentada do “todo” (ou total ausência dessa visão);
•    Falta de sincronização entre os principais agentes no genba (ex. produção, qualidade, engenharia e manutenção);
•    Os planos tendem a não refletir a realidade do genba e as necessidades do cliente;
•    Os problemas tendem a ser tardiamente identificados;
•    As mudanças na constituição das equipas originam perda de conhecimento e de experiências.

Para responder a estes problemas, a abordagem seguida num espaço obeya é composta por cinco passos:

1.    Visualizar as operações para identificar os problemas/oportunidades;

a.    A “visualização” é o elemento-chave do obeya pois neste espaço as paredes estão “cobertas” com representações visuais (ex. planos, esquemas, quadros yamazuki, quadro kamishibai, diagramas e métricas) que permitem à equipa rapidamente tomar conhecimento do que se passa;
b.    A reunião no espaço obeya poderá acontecer diariamente de modo que cada equipa possa sincronizar as suas atividades e lidar com os problemas antes que estes comprometam os objetivos da empresa;
c.    As reuniões diárias deverão ter duração inferior a 15 minutos (flash meeting) e nelas cada participante atualiza os seus programas e indicadores, define os objetivos para o dia e partilha os problemas enfrentados;
d.    Além de reuniões diárias, o obeya poderá ser ocupado sempre que algum problema ou desvio o justifique;
e.    A Toyota usa o espaço obeya para conceber produtos e gerir projetos. As reuniões são lideradas pelo chefe de Engenharia e os restantes elementos da equipa são representantes de diferentes setores-chave (ex. investigação, desenvolvimento, engenharia, qualidade, marketing, entre outros). O chefe de Engenharia fornece uma definição clara do projeto, garante que os programas são seguidos e as datas de entrega são respeitadas sem comprometer a qualidade e/ou segurança e faz, ainda, a coordenação da resolução de problemas à medida que surgem.

2.    Reagir de imediato – sempre que algum problema ou desvio significativo ocorrer a “corda é puxada” e o processo é interrompido para evitar que o problema se propague a outras áreas;

3.    Resolver os problemas um-a-um – após as reuniões flash os problemas identificados são priorizados e inscritos no quadro de resolução de problemas. O leitor mais atento já terá percebido que o espaço obeya e este quadro de resolução de problemas, em particular, baseia-se no ciclo PDCA;

4.    Melhorar os padrões de trabalho – os membros das equipas trabalham em conjunto para a resolução de problemas. Resultado disso, novos padrões de trabalho poderão ser desenvolvidos ou ocorrer a atualização dos atuais;

5.    Registar as boas práticas – o registo de boas práticas garante que o conhecimento e a experiência gerada não se perde e é a todos acessível.

O obeya é um espaço de comunicação e de partilha, o local onde o líder se encontra com os restantes membros da equipa para acompanhamento de projetos e de operações. É um local propício para o desenvolvimento da atividade cerebral e para a manifestação de liderança por parte dos senseis.

Existem dois tipos de espaços obeya:
•    Obeya para projetos (ex. desenvolvimento de um novo produto ou serviço) – após a conclusão do projeto de desenvolvimento o espaço é desmantelado;
•    Obeya operacional (sendo os mais comuns em empresas industriais) – destinados a acompanhar as operações, focalizados na resolução de problemas, na eliminação dos obstáculos aos fluxos, etc.;
O papel do líder:
•    Define os targets iniciais;
•    Mantém a disciplina;
•    Gere as questões prioritárias;
•    Garante que as ações são as necessárias para alcançar os targets definidos;
•    Avalia a carga de trabalho de cada membro da sua equipa e faz o balanceamento da mesma, se necessário;
•    Garante a participação de todos e desenvolve as competências e o conhecimento da equipa.

O papel de cada membro da equipa:
•    Fornece feedback sobre a execução das tarefas/ações;
•    Apresenta soluções para resolver problemas ou ultrapassar as dificuldades;
•    Apoia na definição das atividades/ações para alcançar os targets;
•    Colabora na resolução de problemas e na identificação de contramedidas;
•    Colabora com os restantes membros para promover a coesão da equipa.

O espaço obeya é o confessionário das operações ou dos projetos, é o local onde se diz a verdade sobre o que se passa no genba e se sincroniza com as alterações de mercado. É um espaço que promove a comunicação (pois é visual e não tem paredes, muitos nem mesas têm) e a partilha. É um ponto de conexão entre a execução e o planeamento (hoshin) e de integração com os quadros de acompanhamento e/ou informação (andon) existentes no genba.

QUADRO KAMISHIBAI 

De acordo com o site www.wikipedia.org o termo Japonês “kamishibai” significa literalmente “imagem-história”, ou seja, uma forma de contar histórias desenvolvida no século XII no Japão e usada pelos monges para transmitir lições de elevado conteúdo moral às populações mais iletradas. As “histórias” eram contadas através de imagens impressas em cartões.

Como parte do sistema de produção da Toyota, os quadros kamishibai são usados como controlos visuais na realização de auditorias (visitas ou verificações) aos processos de fabrico. Estas auditorias são preconizadas pelos gestores ou chefes de equipa.

Dentro das ferramentas visuais (ex. os quadros andon, as visitas ao genba, ou genba walks, ou ainda os processos de comunicação nas mudanças de turno) que suportam um local de trabalho orientado à cultura lean thinking, o sistema kamishibai é dos menos populares.

O sistema é simples (bem mais que o nome) mas do ponto de vista da disciplina não é um sistema para iniciados no lean. O sistema kamishibai é particularmente aconselhado para os gestores que querem por em prática o genchi genbutsu (ie, “vai e vê por ti o que realmente se está a passar no genba”) mas não estão seguros quanto à organização do seu dia de trabalho ou mesmo sobre o que fazer quando estiverem lá no genba (a verdade é que muitos não põem lá os pés e outros uma vez lá não sabem o que fazer e rápido regressam ao conforto do seu gabinete).

O sistema kamishibai formaliza, prioriza e programa as visitas (checks ou auditorias) ao shop floor. É um sistema simples de implementar, é visual e flexível e garante que as verificações são realizadas.

A utilidade de um sistema kamishibai
O grande propósito do kamishibai não é apanhar as pessoas no genba a fazer as coisas incorretas. Antes de avançar para este sistema a empresa precisa garantir que a cultura do “porquê” já substitui a do “quem errou?”. Para o gestor, a grande utilidade do kamishibai é treinar os seus olhos para identificar os problemas (ie, os desvios do padrão), identificar oportunidades e ensinar os outros a resolver os problemas ou a aproveitar as oportunidades. Por outras palavras, a fiel e sincera realização das auditorias é tão importante como o resultado das mesmas. Como referido antes, o propósito não é encontrar falhas, embora os problemas devam ser tornados visíveis, mas sim criar o hábito diário de verificação.

Como é que o kamishibai é usado?
Os chefes de equipa e seus superiores hierárquicos têm a responsabilidade de verificar (validar) o trabalho dos demais colaboradores. O trabalho em si bem como o processo de verificação deve ser baseado em padrões (standard work).
As áreas de verificação devem ir além dos aspetos produtivos considerando também temas como a segurança, a higiene, a organização dos postos de trabalho, a qualidade e a manutenção (ex. rotinas da TPM).

O líder de equipa escolhe aleatoriamente um cartão do quadro kamishibai, ver figura 3 e 4. A aleatoriedade é uma caraterística importante a manter pois evita a previsibilidade das verificações/auditorias por parte dos colaboradores no genba.

Se as auditorias seguissem um padrão previsível era de prever um processo de antecipação por parte dos colaboradores (tal como acontece com as auditorias externas da qualidade ISO9000 que por serem antecipadamente marcadas estão todos treinados para responder às perguntas do auditor e desse modo todas as empresas conseguem a manutenção do seu “Certificado de Qualidade”).

A pessoa que escolher o cartão lê neste as correspondentes tarefas (diárias, semanais ou mensais) e vai ao posto de trabalho verificar se as mesmas foram realizadas. Após a verificação o cartão é devolvido ao quadro e rodado para que visualmente se perceba que aquele “check” foi feito. As anomalias detetadas são anotadas num quadro de problemas/oportunidades para serem acompanhadas. Tanto nos cartões como no acompanhamento das anomalias detetadas pode usar-se um sistema de cores de forma a simplificar a comunicação e a redução de erros.

O quadro kamishibai bem como o quadro de anomalias faz parte dos elementos encontrados num espaço obeya.
É também possível encontrar sistemas kamishibai não aleatórios. Neste caso a sua abrangência territorial vai além da linha ou da célula de trabalho podendo envolver unidades operacionais completas ou departamentos. Os timings dos cartões e das auditorias são programados e o respetivo programa faz parte do trabalho padrão das chefias (ou seja é uma das suas atribuições). Deste modo é possível saber qual a parte do tempo diário que as chefias passam no shop floor.

Com esta modalidade a aleatoriedade desaparece e o quadro kamishibai passa a definir as rotinas de auditoria/inspeção às áreas de trabalho. A sequência de recolha dos cartões passa a ser definida e sempre que são recolhidos são rodados para que visualmente se saiba que aquela “rotina” impressa no cartão já foi realizada. Deste modo em cada quadro a gestão poderá acompanhar a “onda” de execução das rotinas, ver exemplo na figura 5.

No modo sequencial não existe caixa para depositar os cartões. Estes permanecem no quadro e a sua posição (frente ou verso, verde ou vermelho) denuncia a realização, ou não, da rotina que neles está inscrita.

A implementação e manutenção de práticas como os 5S, a manutenção dos padrões de trabalho (incluindo as regras de higiene e segurança no trabalho) ou ainda as rotinas de manutenção autónoma podem ser facilitadas recorrendo a este sistema sequencial. A sua implementação é simples e económica.

CONCLUSÃO

Dois métodos simples com nomes complicados mas que podem ser facilmente implementados e mantidos se houver disciplina e rigor. Embora soe melhor em inglês, obeya é um quarto com vista para o lean (“a room with a view to lean”).O espaço obeya pode ser usado para a gestão de projetos ou o acompanhamento diária das operações industriais ou de serviços.

O quadro e os cartões kamishibai também podem ser aplicados de dois modos: aleatoriamente ou sequencialmente. Em ambas as situações o que se pretende é garantir a manutenção dos padrões de trabalho e asseguram que cada um sabe o que fazer e quando fazer.

A cultura lean thinking cria-se através de ferramentas simples aplicadas por pessoas normais que deste modo conseguem resultados extraordinários.


REFERÊNCIAS
IMAI M, 2012. Gemba Kaizen: A Commonsense Approach to a Continuous Improvement Strategy (II Edição). McGraw-Hill Professional.
LIKER J, 2004. The Toyota Way: 14 Management Principles from the World’s Greatest Manufacturer. McGraw-Hill.
MAURER R, 2012. The Spirit of Kaizen: Creating Lasting Excellence One Small Step at a Time. McGraw-Hill.
MILLER J et al, 2013. Creating a Kaizen Culture: Align the Organization, Achieve Breakthrough Results, and Sustain the Gains. McGraw-Hill Professional.
PINTO, JPO, 2013. Think lean, be agile (textos de apoio à XVI Edição da PG Lean Management). CLT Services.