Lean Management na Indústria Cerâmica

Artigo publicado na Revista Kerâmica

INTRODUÇÃO AO LEAN EM CERÂMICA

A indústria cerâmica é um sector-chave na economia portuguesa pelo seu impacto económico contribuindo significativamente para o PIB e o emprego, especialmente em regiões do centro e norte do país. Portugal é um dos principais produtores e exportadores de cerâmicos da Europa.

A indústria apoia sectores relacionados como a extração de minério, embalagem e transporte, enquanto impulsiona a inovação tecnológica e práticas sustentáveis. Também contribui para o turismo através de oficinas e museus temáticos.

Os principais desafios que o sector enfrenta incluem o aumento dos custos de energia e a concorrência asiática, embora o sector continue estrategicamente importante para o desenvolvimento industrial português.

Para dar resposta a estes desafios, a indústria cerâmica apresenta-se como um sector fascinante para aplicar os princípios de gestão magra (lean management). Aquilo que normalmente se designa por “produção magra (lean)” teve as suas origens na indústria automóvel nos anos 1940s, contudo a aplicação dos princípios e ferramentas lean cedo se alastrou a outros sectores de actividade económica. No caso do sector da cerâmica, a eliminação dos desperdícios (muda) e da melhoria contínua (kaizen) representam um território de oportunidades para o sector.

Entender como estes princípios se traduzem nos desafios específicos da indústria da cerâmica exige que pensemos sobre as operações e a produção de novas maneiras.

 

COMPREENDER OS BENEFÍCIOS

Quando implementado corretamente, a gestão lean transforma o fabrico de cerâmica em múltiplas dimensões. Pense nisto como uma sincronização fina de uma orquestra onde cada secção deve desempenhar seu papel perfeitamente para que o todo alcance a harmonia.

Em termos de eficiência operacional, as empresas normalmente reportam reduções do tempo de ciclo de produção entre 30% a 40%. Esta melhoria resulta do repensar os métodos de trabalho (normalmente dominados pelo paradigma dos grandes lotes). Imagine um processo tradicional de carregamento de forno onde os operadores esperam para encher por completo o forno antes de iniciar o ciclo. De acordo com os princípios lean, podemos optimizar a carga com base na procura do mercado (não mais com base em previsões), executando ciclos menores e mais frequentes e que melhor respondam às necessidades reais dos Clientes.

A melhoria na qualidade manifesta-se por múltiplos canais. Considere o processo de esmaltar ou de acabamentos, caracterizados por métodos tradicionais que dependem muito da experiência do operador: a abordagem lean fomenta a implementação de procedimentos de trabalho padrão e ferramentas de gestão visual. A padronização reduz as taxas de defeitos em 40% a 50%. É semelhante a um mestre oleiro a ensinar aprendizes dividindo movimentos complexos em pequenas etapas e de fácil aprendizagem.

A redução de custos resulta naturalmente destas melhorias. O consumo de energia geralmente diminui em 20% a 30% graças à melhor utilização dos equipamentos de grande consumo energético (ex. Fornos). O desperdício de matéria-prima cai em 25% a 35% através da melhoria de processos como o manuseio e a mistura. Algo semelhante a um chefe de cozinha que reduz o desperdício através da correcta preparação, medição e uso eficiente de recursos.

 

DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO

A implementação lean nos processos de fabrico cerâmico enfrenta obstáculos únicos que exigem soluções criativas. Considerem-se estes dois exemplos:

  • Os tempos de secagem e queima nos processos de fabrico cerâmico não são tão previsíveis quanto as operações de outras indústrias. Variáveis como a humidade, temperatura e composição do material afetam os tempos de processamento. Esta variabilidade torna desafiador implementar conceitos lean como o takt time ou o nivelamento de processos;
  • As propriedades dos materiais apresentam outro desafio significativo. A composição da argila pode variar em consistência e maneabilidade (algo que pode acontecer dentro do mesmo lote). Esta variabilidade torna a padronização difícil, mas não é impossível.

 

ROADMAP DE IMPLEMENTAÇÃO

Atendendo ao que já foi referido anteriormente não é tarefa fácil apresentar um roteiro padrão para o sector da cerâmica. Os passos que seguem, embora tendo como foco esta indústria, são genéricos:

  1. CRIAR AS BASES (duração de 3 a 6 meses): durante esta fase, concentre-se em conhecer os processos e as práticas actuais através de ferramentas como o mapeamento da cadeia de valor (VSM). Procure implementar os princípios de good housekeeping (ou 5S), começando com mudanças simples, como organizar áreas de trabalho, criar simples padrões e fomentar a gestão visual;
  2. MELHORAR PROCESSOS (duração de 8 a 12 meses): nesta fase passa-se à implementação de conceitos e ferramentas mais avançados. Exemplos disso são os procedimentos de trabalho padronizados, métodos de resolução de problemas, revisão de layouts, trabalho em equipa, lean coaching, definição de quadros de planeamento e de indicadores entre outros;
  3. INTEGRAÇÃO AVANÇADA (duração de 1 a 2 anos): nesta fase, implementam-se sistemas como o desdobramento estratégico (hoshin kanri), pull flow management, desenvolvimento da rede de fornecedores, gestão de projectos em ambiente lean management e programas TPM ao nível de equipamentos e instalações.

 

ESTUDO DE UM CASO

Para que perceba melhor como lean management pode transformar radicalmente uma empresa do sector da cerâmica vamos considerar o exemplo de uma empresa da região centro do país. Trata-se de um fabricante de componentes técnicos de cerâmica. Quando a empresa iniciou a sua jornada lean, enfrentou desafios comuns a muitos na indústria: elevados custos de energia, problemas de qualidade e longos prazos de entrega.

A transformação começou com um projecto piloto na linha de produção de maior volume. Em vez de tentar implementar todos os princípios lean de uma só vez, a empresa começou com os 5S e a gestão visual. Isto resultou em melhorias imediatas ao nível da organização do local de trabalho e no fluxo de materiais.

Ao longo de dois anos, a empresa alcançou resultados notáveis:

  • Os prazos de entrega diminuíram em 35%;
  • Consumo de energia reduziu em 25%;
  • Os níveis de stock caíram 40%;
  • Defeitos de qualidade diminuíram 50%;
  • A produtividade do trabalho aumentou 20%.

A chave para o sucesso desta empresa esteve sempre na abordagem paciente e sistemática. A empresa cedo percebeu que uma mudança sustentável e duradoura requer melhorias técnicas e mudança cultural, algo que só se consegue dando tempo às pessoas para que possam assimilar e manter as melhorias. Como se entende, a Toyota não conseguiu alcançar os actuais níveis de desempenho operacional e financeiro nos primeiros anos de implementação do TPS (sistema que serviu de inspiração ao pensamento magro), mas sim graças a um processo de melhoria contínuo ao longo de várias décadas.

Os factores críticos de sucesso da empresa foram os seguintes:

  • Comprometimento da gestão de gestão de topo e liderança presente no terreno (gemba);
  • Programas abrangentes de formação e envolvimento dos colaboradores;
  • Abordagem sistemática de implementação com metas claras;
  • Abertura para o erro (sim leu bem. Se cultivarmos a proatividade nas pessoas, aprende-se mais com o erro do que com o sucesso);
  • Monitorização regular do desempenho e ajustes sempre que necessários.

 

OLHAR PARA O FUTURO

A aplicação do pensamento lean na indústria da cerâmica reserva-nos oportunidades empolgantes, especialmente quando combinado com as tecnologias que resultam da Indústria 4.0. Por exemplo: a tecnologia sensorial permitem monitorizar o teor de humidade em tempo real, garantindo processos de secagem mais exactos. A inteligência artificial pode prever necessidades de manutenção antes que o equipamento falhe tal como pode ser aplicada na análise de dados e nos processos de decisão. Estas tecnologias não substituem os princípios e as ferramentas lean management, mas melhoram-nas.

 

CONCLUSÃO

Implementar os conceitos e as ferramentas lean management neste sector requer uma visão de longo prazo, liderança, paciência, criatividade e comprometimento de todos nas Organizações. Embora os desafios sejam significativos, os benefícios potenciais fazem a jornada lean valer a pena. O sucesso não vem da aplicação cega e/ou isolada de ferramentas, mas da sua adaptação às características singulares dos processos de fabrico no sector da cerâmica.

Deste modo, as empresas deste sector que consideram a implementação lean devem:

  • Desenvolver uma estratégia de implementação abrangente alinhada com os objetivos do negócio;
  • Investir na formação, treino e desenvolvimento dos seus colaboradores;
  • Estabelecer sistemas robustos de monitorização de desempenho;
  • Considerar oportunidades de integração tecnológica (ex. Indústria 4.0);
  • Manter o foco na melhoria contínua.

Lembre-se, lean management não é um destino, mas uma jornada de melhoria contínua. Cada passo dado cria oportunidades para futuros avanços, levando a empresa a níveis cada vez melhores de eficiência, qualidade e satisfação do Cliente.

Se a sua Empresa precisa de suporte nas fases iniciais da sua jornada lean management, a CLT Services (www.cltservices.net) poderá ser o parceiro que precisa.

 

Artigo publicado na Revista Kerâmica, 12/2024

 

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